sexta-feira, 20 de abril de 2012

Anaïs Nin - Debaixo de uma redoma

O farrapeiro trabalhava em silêncio, sem olhar para qualquer coisa que estivesse inteira. O seu olhar procurava o partido, o gasto, o desbotado, o fragmentado. Um objeto completo entristecia-o. Que podia uma criatura fazer com um objeto inteiro? Pô-lo num museu. Não lhe tocar. No entanto, um papel rasgado, um atacador de sapato sem par, uma chávena sem pires, isso era emocionante. Coisas que podiam ser transformadas, fundidas noutras coisas. Um pedaço de cano torcido. Maravilhoso o cesto sem asa. Maravilhosa a garrafa sem rolha. Maravilhosa a caixa sem chave. Maravilhosos metade de um vestido, o laço de um chapéu, o leque falho de penas. Maravilhosa a lata de uma máquina fotográfica sem máquina dentro, a roda solta de uma bicicleta, meio disco de gramofone. Fragmentos, mundos imperfeitos, farrapos, detritos, o fim dos objetos e o começo das transmutações.